Album Cover Capítulo 4 Versículo 3

Capítulo 4 Versículo 3

Racionais MC's

3

60% dos jovens de periferia

Sem antecedentes criminais já sofreram violência policial

A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negrasNas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros

A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo

Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente

Minha intenção é ruim, esvazia o lugar

Eu tô em cima, eu tô a fim, um, dois pra atirar

Eu sou bem pior do que você tá vendo

Preto aqui não tem dó, é 100% veneno

A primeira faz bum, a segunda faz tá

Eu tenho uma missão e não vou parar

Meu estilo é pesado e faz tremer o chão

Minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição

Na queda ou na ascensão minha atitude vai além

E tenho disposição pro mal e pro bem

Talvez eu seja um sádico, um anjo, um mágico

Juiz ou réu, um bandido do céu

Malandro ou otário, padre sanguinário

Franco atirador, se for necessário

Revolucionário, insano ou marginal

Antigo e moderno, imortal

Fronteira do Céu com o Inferno

Astral imprevisível, como um ataque cardíaco no verso

Violentamente pacífico, verídico

Vim pra sabotar seu raciocínio

Vim pra abalar seu sistema nervoso e sanguíneo

Pra mim ainda é pouco, Brown cachorro louco

Número um guia terrorista da periferia

Uni-duni-tê o que eu tenho pra você

Um Rap venenoso ou uma rajada de PT

E a profecia se fez como previsto

1997, depois de Cristo

A fúria negra ressuscita outra vez

Racionais, capítulo 4, versículo 3

Aleluia

Aleluia

Racionais no ar, filha da puta, pá, pá, pá

Faz frio em São Paulo, pra mim tá sempre bom

Eu tô na rua de bombeta e moletom

Dim, dim, dom, Rap é o som

Que emana do Opala marrom

E aí, chama o Guilherme, chama o Fanho, chama o Dinho

E o Di? Marquinho, chama o Éder, vamo aí

Se os outros mano vêm pela ordem, tudo bem, melhor

Quem é quem no bilhar, no dominó

Colou dois mano, um acenou pra mim

De jaco de cetim, de tênis, calça jeans

Ei, Brown, sai fora, nem vai, nem cola

Não vale a pena dar ideia nesse tipo aí

Ontem à noite eu vi na beira do asfalto

Tragando a morte, soprando a vida pro alto

Ó os cara, só o pó, pele e osso

No fundo do poço, mó flagrante no bolso

Veja bem, ninguém é mais que ninguém

Veja bem, veja bem, e eles são nossos irmãos também

Mas de cocaína e crack, uísque e conhaque

Os mano morre rapidinho, sem lugar de destaque

Mas quem sou eu pra falar de quem cheira ou quem fuma?

Nem dá, nunca te dei porra nenhuma

Você fuma o que vem, entope o nariz

Bebe tudo que vê, faça o Diabo feliz

Você vai terminar tipo o outro mano lá

Que era um preto tipo A, ninguém tava numa

Mó estilo de calça Calvin Klein, tênis Puma, é

Um jeito humilde de ser, no trampo e no rolê

Curtia um Funk, jogava uma bola

Buscava a preta dele no portão da escola

Exemplo pra nós, mó moral, mó Ibope

Mas começou a colar com os branquinho do shopping (aí já era)

Ih, mano, outra vida, outro pique

Só mina de elite, balada, vários drinques

Puta de boutique, toda aquela porra

Sexo sem limite, Sodoma e Gomorra

Faz uns nove anos

Tem uns quinze dias atrás eu vi o mano

Cê tem que ver, pedindo cigarro pros tiozinho no ponto

Dente tudo zuado, bolso sem nenhum conto

O cara cheira mal, as tias sentem medo

Muito loco de sei lá o quê, logo cedo

Agora não oferece mais perigo

Viciado, doente, fudido, inofensivo

Um dia um PM negro veio me embaçar

E disse pra eu me pôr no meu lugar

Eu vejo um mano nessas condições, não dá

Será assim que eu deveria estar?

Irmão, o demônio fode tudo ao seu redor

Pelo rádio, jornal, revista e outdoor

Te oferece dinheiro, conversa com calma

Contamina seu caráter, rouba sua alma

Depois te joga na merda, sozinho

É, transforma um preto tipo A num neguinho

Minha palavra alivia sua dor

Ilumina minha alma, louvado seja o meu Senhor

Que não deixa o mano aqui desandar

E nem sentar o dedo em nenhum pilantra

Mas que nenhum filha da puta ignore a minha lei

Racionais, Capítulo 4, Versículo 3

Aleluia

Aleluia

Racionais no ar, filha da puta, pá, pá, pá

Quatro minutos se passaram e ninguém viu

O monstro que nasceu em algum lugar do Brasil

Talvez o mano que trampa debaixo do carro sujo de óleo

Que enquadra o carro forte na febre com o sangue nos olhos

O mano que entrega envelope o dia inteiro no sol

Ou o que vende chocolate de farol em farol

Talvez o cara que defende o pobre no tribunal

Ou o que procura vida nova na condicional

Alguém no quarto de madeira, lendo à luz de vela

Ouvindo um rádio velho no fundo de uma cela

Ou o da família real de negro, como eu sou

O príncipe guerreiro que defende o gol

E eu não mudo, mas eu não me iludo

Os mano cu de burro tem, eu sei de tudo

Em troca de dinheiro e um carro bom

Tem mano que rebola e usa até batom

Vários patrícios falam merda pra todo mundo rir

Haha, pra ver branquinho aplaudir

É, na sua área tem fulano até pior

Cada um cada um, você se sente só

Tem mano que te aponta uma pistola e fala sério

Explode sua cara por um toca-fita velho

Click, plau, plau, plau e acabou

Sem dó e sem dor, foda-se sua cor

Limpa o sangue com a camisa e manda se foder

Você sabe por quê, pra onde vai, pra quê

Vai de bar em bar, de esquina em esquina

Pega cinquenta conto, trocar por cocaína

Enfim, o filme acabou pra você

A bala não é de festim, aqui não tem dublê

Para os mano da Baixada Fluminense à Ceilândia

Eu sei, as ruas não são como a Disneylândia

De Guaianases ao extremo sul de Santo Amaro

Ser um preto tipo A custa caro, é foda

Foda é assistir a propaganda e ver

Não dá pra ter aquilo pra você

Playboy, forgado de brinco, um trouxa

Roubado dentro do carro na avenida Rebouças

Correntinha das moça, as madame de bolsa

Dinheiro, não tive pai, não sou herdeiro

Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal

Por menos de um real, minha chance era pouca

Mas se eu fosse aquele moleque de touca

Que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca

De quebrada sem roupa, você e sua mina

Um, dois, nem me viu, já sumi na neblina

Mas não, permaneço vivo, prossigo a mística

Vinte e sete anos contrariando a estatística

Seu comercial de TV não me engana

Eu não preciso de status nem fama

Seu carro e sua grana já não me seduz

E nem a sua puta de olhos azuis

Eu sou apenas um rapaz latino-americano

Apoiado por mais de cinquenta mil manos

Efeito colateral que o seu sistema fez

Racionais, capítulo 4, versículo 3